O TSE retomou o julgamento da chapa Dilma-Temer, o mais importante da história do Tribunal: é a primeira vez que a Corte decidirá sobre a cassação de mandato de um presidente da República. A ação é relatada pelo ministro Herman Benjamin.
Nesta quarta-feira, 7, mais preliminares foram analisadas, com o voto do relator sobre o mérito do julgamento. Os ministros decidiram que amanhã, 8, o julgamento começará na parte da manhã e eventualmente se estenderá até à tarde e, se preciso for, será convocada sessão extraordinária na sexta-feira, 9, e sábado, 10.
Logo na introdução das preliminares que serão votadas hoje o relator Herman fez questão de ressaltar que “o que está em jogo não é figura da pessoa do professor Michel Temer e da ex-presidente Dilma Rousseff e sim os cargos que ocupam”.
Preliminares abraçadas com o mérito
O ministro Herman afirmou que as próximas preliminares a serem analisadas se confundem com o mérito do julgamento. Após breve debate entre os ministros, decidiu-se que o relator prosseguiria com a leitura do voto para análise futura e conjunta das questões, incluindo a ilicitude da prova da Odebrecht, alegada pela defesa, por se originar de vazamento de colaboração premiada.
Cerceamento de defesa
Logo de pronto o ministro Herman rechaçou o argumento de cerceamento de defesa com relação à atuação da Odebrecht. “Nós não trabalhamos com os olhos fechados. Esta é a tradução deste princípio da verdade real”, afirmou o ministro com relação às provas que a defesa quer desentranhar dos autos.
“Não há dúvidas de que o regime jurídico aplicável ao rito das ações consagra o dever-poder do juiz de buscar a verdade real dos fatos. Estas são palavras do ministro Marco Aurélio, relator da ADIN citada ontem da tribuna. O juiz que não o fizer está prevaricando.”
Pois bem. Em dado momento, o ministro Gilmar Mendes interrompeu Herman para dizer que o argumento era falacioso pois, se assim fosse, o processo deveria ficar aberto para receber as provas da delação da JBS e, “na semana que vem, do ex-ministro Palocci”. Ao que o ministro Herman esclareceu que ateve aos pedidos das iniciais, “eu me limito aos parâmetros das fronteiras estabelecidas na petição inicial embora a legislação e jurisprudência do Supremo pudessem dar guarida a ampliação que me recusei a fazer”.
Narrou o ministro Herman que os advogados, na inquisição coletiva dos executivos da Odebrecht, tiveram a oportunidade de fazer as perguntas às testemunhas, às vezes até sem pedir permissão. Afirmou que considerou como critérios: a pertinência da prova com objeto do feito, e a contribuição efetiva para esclarecimento dos fatos e circunstâncias relativas ao julgamento.
“O presente feito guarda importância nacional. Prevê-se um ano como período máximo da duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo contando da sua apresentação à Justiça Eleitoral, o qual se mostra muito superado.”
Para o relator, há “contradição” na atuação da defesa, que diz: “ora o juiz avançou o sinal, ouviu testemunhas que não deveria, ora se quer que se ouçam dezenas que não são sequer indicadas”.
Segundo Herman, as partes participaram de todas as fases da idelação da Odebrecht, afastando o argumento de violação do contraditório e da ampla defesa.
Por fim, contou o relator que um dos advogados da ex-presidente Dilma fez 376 perguntas na inquisição dos executivos da Odebrecht.
“Houve plena participação da defesa quando quis na formação das provas na fase Odebrecht. A tentativa de imputar ao relator a posição de acusador é argumento completamente dissonante do que se viu nos autos.”
E, assim, rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa e ofensa aos limites instrutórios.
Ilicitude da prova da Odebrecht
A próxima preliminar votada pelo ministro Herman foi a da ilicitude da prova da Odebrecht por se originar de vazamento da colaboração premiada. Também aqui o relator rejeitou a preliminar.
“Não se usou qualquer conteúdo da colaboração para ouvir os executivos, mas sim diante de informação pública de que houve a celebração de tais acordos, expedi ofício ao ministro Fachin. O procedimento adotado por este relator foi o de provocar as vias oficias relacionadas aos acordos de colaboração premiada, ou seja, tanto a PGR quanto o STF, para que, somente após, fosse realizada a inquisição dos executivos da Odebrecht que figuraram como colaboradores da justiça. É evidente que a determinação de ouvir os executivos não foi baseada em ‘vazamento de delação’, mas sim em decisão autorizadora do ministro Fachin, do STF, após pronunciamento favorável do PGR.”
Argumentou, então, que inexistem nos autos qualquer decisão ou prova lastreada em “conteúdo de vazamento”.
“Gostaria que me indicassem uma única prova testemunhal que é emprestada. Toda prova foi produzida nesses autos. Não há uma única colaboração premiada utilizada nesses autos como depoimento.”
Destacando categoricamente a notoriedade dos acordos da delação premiada dos executivos da Odebrecht, Herman Benjamin afirmou que, embora reconheça os poderes que a LC lhe confere como juiz eleitoral, “não vão encontrar no meu voto nenhuma utilização de indícios e presunções, embora a lei expressamente me permita usar estes indícios e presunções, desde que fundamentada a decisão”. Lembrou que o “protagonismo” da empresa no cenário político “existe desde sempre, desde que a Odebrecht se constituiu como empresa. Isso está dito expressamente por depoentes. A chamada ‘cultura Odebrecht’, passada pelo dr. Norberto”.
Com relação ao vazamento da delação, Herman asseverou que a ilicitude do vazamento é extrínseca à produção da prova: “A quebra do sigilo sobre os acordos não pode servir como supedâneo para nulidade da prova.”
Concordaram todos os ministros que o vazamento da delação não anula a prova, e então o relator passou para a questão relativa à ampliação da causa de pedir.
Ampliação da demanda
Aqui, o ministro Herman apenas adiantou suas considerações acerca do tema, mas lembrou que a questão está imbrincada com o mérito da ação e, por isso, será futuramente decidida, quando então proferirá seu voto e contrastará com a petição inicial.
Afirmou Herman que “a relação da Odebrecht com a campanha eleitoral presidencial não era de forma alguma ignorada pelos representantes por ocasião do ajuizamento da demanda”, e resumiu que “a causa de pedir é a ocorrência de abuso de poder econômico por força de distribuição de recursos ilícitos à campanha de 2014 por empresas investigadas na Lava Jato”.
Segundo o ministro, tal causa de pedir pode ser fragmentada em três partes: abuso do poder político, do poder econômico, e da má utilização dos meios de comunicação.
Conforme Herman, os representantes relataram o que sabiam à época, e a decisão com relação aos limites da ação foi feita pelo TSE há tempos, no julgamento da ação da prestação de contas, e não houve recurso contra a decisão colegiada, de 5×2, relatada pelo ministro Gilmar.
“É o que se quer aqui: alterar as regras do jogo processual postas por decisão colegiada de 5×2 cujo relator foi o ministro Gilmar Mendes. Esta matéria está preclusa nos autos. No momento em que iniciada a condução pelo corregedor os limites já estavam postos pelo TSE.”
Em dado momento, o ministro Herman voltou ao tema da notoriedade dos fatos narrados pela Odebrecht.
“Aqui não estamos tratando de litígios entre vizinhos, ação de consignação de pagamento por atraso de aluguel. Estamos tratando dos fundamentos do próprio regime democrático. Eu não uso este raciocínio indiciário. Mas a lei e o Supremo me permitiriam fazê-lo como juiz. O aprofundamento da ação de investigação judicial eleitoral da Odebrecht foi decorrente, além de petição explicita da inicial, de fatos conhecidos, correlatos em relação a empresa e a campanha presidencial. Qualquer cidadão brasileiro minimamente informado, que acompanhou o cenário político nas últimas décadas, tem plena consciência que a Odebrecht encarna a empresa com um dos maiores protagonismos nas relações com o governo.”
O relator rebateu fortemente o argumento da defesa de que a Odebrecht é ser estranho à Petrobras.
“A Odebrecht foi parasita da Petrobras. O maior parasita da Petrobras foi a Odebrecht por meio da Braskem. A Petrobras se transformou em veículo para a Odebrecht alcançar objetivos de natureza privada espúrios.”
E por fim questionou por qual motivo a Corte Eleitoral determinou a oitiva de Mônica Moura e João Santana se for para desconsiderar depois.
“Para que o TSE determinou que o relator ouvisse essas duas testemunhas? Por acaso seria para ouvir o depoente João Santana sobre seus vastos conhecimentos de ocultismo? Ou para ouvir sobre as perspectivas no Brasil da propaganda eleitoral ou do marketing eleitoral? Evidentemente essas duas testemunhas foram determinadas ou tiveram a oitiva determinada por esse tribunal pela conexão com a Odebrecht, com a campanha presidencial de 2014, e com aquilo que foi mínima mas suficientemente descrito nas petições iniciais dos quatro processos.”
Por fim, disse que rejeitava essa preliminar também, mas que voltaria a ela no futuro no voto do mérito.
Reforma política
A sessão ordinária da Corte ontem encerrou-se próximo das 22h, após a rejeição das quatro preliminares analisadas. Nesta terça-feira, 6, também foram feitas as sustentações orais por parte da acusação, da defesa e do MPE.
Na introdução de seu voto sobre as preliminares ontem, o ministro Herman Benjamin, relator, defendeu a necessidade de reforma política e eleitoral. Para ele, sem uma reforma “abrangente e corajosa” os erros e tentações problemáticas das disputas eleitorais, objeto da demanda que estava em julgamento, “se repetirão nos próximos pleitos”.
“No fundo as ações agora em julgamento são filhas de um sistema eleitoral falido, com campanhas altamente sofisticadas e caríssimas, caracterizadas por multiplicidade de partidos de aluguel e coligações estapafúrdias, onde se negocia abertamente aquilo que é pago pelo povo.”
Julgamento
Sete ministros efetivos analisarão a cassação da chapa vencedora das eleições de 2014, encabeçada pela ex-presidente Dilma e pelo atual Michel Temer. A ação é do PSDB e alega abuso político e econômico.
Em 2016 a ação foi redistribuída ao ministro Herman Benjamin, empossado corregedor-geral da Justiça Eleitoral.
O plenário do TSE começou o julgamento em abril. Na ocasião, ao analisar duas questões de ordem, os ministros decidiram ouvir novas testemunhas. Também ficou decidido que o prazo para apresentações das alegações finais será de cinco dias após a oitiva das testemunhas.
Fonte: Migalhas