A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julga hoje(17/3) se a cassação da Lei de Imprensa (Lei 5.250 de 1967), pelo Supremo Tribunal Federal, de fato deixou um vácuo legislativo ou não. A discussão está posta em Recurso Especial interposto contra decisão que condenou o jornalista Ricardo Noblat a indenizar o desembargador Marlan de Moraes Marinho, aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por narrar uma sessão de julgamento.
O fundo do debate que está no STJ é a aplicação da jurisprudência firmada pelo Supremo no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130. Foi nesse caso que o tribunal fixou que a Lei de Imprensa, editada em 1967, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, por criar restrições à liberdade de expressão.
Ricardo Noblat havia sido condenado a indenizar o desembargador com base na Lei de Imprensa. Em reportagem intitulada “Um golpista no Judiciário”, o jornalista narra que o nome de Marlan de Moraes Marinho Jr, filho do desembargador aposentado, consta em um relatório da Polícia Federal sobre a operação satiagraha.
No texto, Noblat afirma que Marlan Jr. é “irmão de juiz, filho e sobrinho de desembargadores” e “notabilizou-se por utilizar-se da família, consolidando a tradição de nepotismo na estrutura do Judiciário”. Para o desembargador, o jornalista extrapolou seu direito de narrar fatos e passou a ofender a honra de sua família, acusando-o de nepotismo.
Questão de competência
Mas Noblat, representado pelo advogado Eduardo Mendonça, encontra um problema técnico: como sua condenação foi baseada numa lei cassada pelo Supremo, a discussão não pode chegar ao STJ, cuja função é padronizar a interpretação da legislação federal. A saída seria o próprio STF, a quem competem as discussões constitucionais.
E o que ele tenta provar que não é só a Lei de Imprensa que trata das relações entre autoridades e o noticiário. De acordo com memoriais entregues ao STJ na semana passada, o Código Civil é suficiente para tratar do tema.
Mendonça afirma que os artigos 186 e 927 do CC. São os dispositivos que obrigam aquele que viola direito ou causa dano a alguém a reparar o ofendido. “Até porque os dispositivos do vigente Código Civil possuem o mesmo sentido daqueles previstos na Lei de Imprensa: quem causou dano ao outrem, mesmo que seja exclusivamente moral, deve reparar civilmente pelo abuso ou ilícito.”
A tese, segundo o advogado, já foi reconhecida pelo STJ, quando a 4ª Turma decidiu que mesmo pessoas públicas têm direito “a uma esfera privada para exercer, livremente, sua personalidade”.
Caso a caso
Outra tese fixada pelo STJ foi a de que, nos casos em que a discussão se baseia na Lei de Imprensa, a análise deve ser feita caso a caso. O entendimento foi firmado pela ministra Nancy Andrighi, já depois do julgamento da ADPF 130.
No Recurso Especial 945.461, o tribunal reconhece a dificuldade em se debater recursos que se baseiam em casos em que a Lei de Imprensa foi aplicada — ou em que a aplicação foi pedida por uma das partes. A ministra Nancy encontrou quatro situações: casos em que a lei foi usada no acórdão; casos em que o recurso pede o afastamento da aplicação da lei; casos em que a lei não foi aplicada e o recurso pede a aplicação; e casos em que o acórdão contém duplo fundamento e se baseia tanto na Lei de Imprensa quanto na lei civil — como no caso de Noblat.
E diante da dificuldade, a ministra Nancy propôs quatro soluções diferentes. Eduardo Mendonça entende que duas se aplicam ao caso de seu cliente. Na primeira hipótese, a ministra afirma que “é fundamental que este tribunal busque, de todas as formas, julgar a causa”. E na última situação, ela afirma que “a análise também deverá ser promovida caso a caso”.
Jurisprudência defensiva
Só que o acórdão do STJ continua: “Se o duplo fundamento se refere a temas diversos, aprecia-se a questão caso a caso, anulando-se o acórdão somente se a aplicação da Lei de Imprensa, devidamente impugnada pela parte, comprometer de maneira definitiva o julgamento, privilegiando a manutenção de um acórdão fundamentado por Lei não-recepcionada”.
Eduardo Mendonça afirma que o tribunal tem usado esse trecho da decisão para restringir a subida de discussões a respeito da Lei de Imprensa. O entendimento, segundo o advogado, tem sido o de que, como a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição, recursos que se baseiam nela são nulos e não podem ser recebidos pelo STJ.
E, para Mendonça, essa interpretação prega exatamente o contrário do que definiu o Supremo na ADPF 130. Pelo menos no caso de Noblat.
O advogado analisa que a decisão do Supremo na ADPF 130 foi “atípica”, porque afirmou a inconstitucionalidade intrínseca de uma lei, em vez de discutir cada dispositivo separadamente — como queriam os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio, à época. E essa declaração foi baseada no fato de a lei impor barreiras à liberdade de imprensa.
Aí é que está o paradoxo: o Supremo cassou uma lei por entender que ela viola a liberdade de expressão e o STJ impede a subida de recursos que tratam de violações à liberdade de expressão porque a lei usada para discutir a matéria foi cassada.
“As liberdades de informação e expressão são asseguradas aos indivíduos em geral e aos meios de comunicação em particular. Em primeiro lugar, porque se cuida de uma manifestação vital da autonomia das pessoas; e, em segundo, porque a preservação de tais liberdades se relaciona de forma direta e indissociável com as condições elementares de existência de um Estado democrático”, afirma o advogado.
Com informações Conjur e Cleto Gomes