O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se a indenização prévia em dinheiro para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, prevista no artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, se compatibiliza com o regime de precatórios, instituído pelo artigo 100 da Carta. A questão será analisada no Recurso Extraordinário (RE) 922144 que, por unanimidade, teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual. O relator do recurso é o ministro Luís Roberto Barroso.

No caso dos autos, o Município de Juiz de Fora (MG) ajuizou ação de desapropriação por utilidade pública com o objetivo de construir hospital e indicou como valor dos imóveis a quantia total de R$ 834.306,52 que, depositada, possibilitou a imissão provisória na posse dos bens. Após a instrução processual em primeira instância, com realização de perícia nos imóveis, o pedido de desapropriação foi julgado procedente, e fixada a indenização em R$ 1.717.000,00, com correção monetária, juros de mora e juros compensatórios.

Inicialmente, o juízo de primeira instância determinou que a diferença entre o valor final e o depositado para imissão provisória na posse fosse complementada via depósito judicial. Após embargos de declaração opostos pelo município, a sentença foi alterada e reconhecida a necessidade de se observar o regime de precatórios. As duas partes apelaram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), que manteve a sentença.

Em recurso extraordinário ao STF, a proprietária dos imóveis alega que o regime de precatórios não se aplica à verba indenizatória em caso de desapropriação, pois o processo deve ser precedido de indenização prévia, justa e em dinheiro. Sustenta a existência de repercussão geral da matéria, em razão da quantidade de processos em que o expropriado é obrigado a esperar por anos para receber o justo valor. Para ela, a relevância social do tema seria reforçada pelas falhas estatais em cumprir o regime de precatórios, ressaltando a dimensão da dívida pública e os sucessivos regimes especiais editados por emendas constitucionais com o objetivo de aumentar o prazo de quitação das ordens judiciais.

Manifestação

O ministro Luís Roberto Barroso observou que estão contrapostos no recurso um direito fundamental, o da indenização prévia, e uma norma estruturante da ordem orçamentária e financeira nacional, o regime de precatórios, evidenciando a natureza constitucional do debate. Segundo ele, está evidenciada a repercussão geral da matéria em decorrência de sua relevância econômica, social e jurídica.

No entendimento do relator, a relevância econômica decorre do fato de o direito à propriedade ou, no caso, à justa e prévia indenização, corresponderem à tutela mais elementar da expressão patrimonial dos indivíduos. Segundo ele, perder todo ou quase todo patrimônio acumulado ao longo dos anos pode colocar em risco a subsistência do particular. Por outro lado, pondera, o regime de precatórios é essencial para a organização financeira do Estado e que exceções a ele devem ser vistas com cautela em razão do potencial desestabilizador nas contas públicas.

Em relação à relevância social, o ministro destacou que a desapropriação constitui uma das mais drásticas intervenções estatais sobre a autonomia individual e que, mesmo compensada financeiramente, tem forte impacto na vida dos expropriados. Ressaltou, entretanto, que a viabilização de desapropriações é de suma importância para se atingir interesses sociais coletivos, como a construção de escolas e hospitais e que a observância de ordem cronológica de pagamentos assegura a isonomia entre os credores judiciais do Estado, além da distribuição equânime dos ônus de eventual inadimplência estatal.

Quanto à relevância jurídica, o relator verificou que o caso proporciona a discussão sobre o sentido e o alcance de dispositivos que, mesmo constando do texto original da Constituição de 1988, suscitam dúvidas até hoje. Segundo ele, isso talvez decorra do fato de que a legislação infraconstitucional sobre a matéria seja centrada em norma da década de 1940 (Decreto-Lei 3.365/1941), objeto de frequentes impugnações por não recepção ou de arguições incidentais de inconstitucionalidade. Anotou, ainda, que a última vez que o STF tratou do tema, em 1999, houve significativo dissenso entre os ministros.

“De lá para cá, muito na compreensão do direito de propriedade e no direito administrativo em geral se alterou no país, o que reforça a importância de o tema ser reapreciado pelo Tribunal”, concluiu o relator em sua manifestação.

Com informações STJ e Cleto Gomes – Advogados Associados

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