O STF iniciou nesta quarta-feira, 17, o julgamento de RE e quatro ADIns que questionam dispositivos da LC 105/01, os quais permitem que o Fisco, por meio de procedimento administrativo, possa requisitar informações diretamente às instituições bancárias sobre movimentação financeira de contribuintes, independentemente de autorização judicial. Após a leitura dos relatórios e sustentações orais, a sessão extraordinária foi encerrada. O julgamento será retomado na quinta-feira, 18.

O RE 601.314, de relatoria do ministro Edson Fachin, foi interposto por contribuinte contra acórdão da 3ª turma do TRF da 3ª região que, por unanimidade, considerou legal o artigo 6º da LC 105/01. O dispositivo estabelece condições para que o Fisco possa requisitar informações diretamente às instituições bancárias sobre movimentação financeira de contribuintes, independentemente de autorização judicial. O recorrente sustenta que este dispositivo seria inconstitucional, pois a entrega de informações de contribuintes, sem autorização judicial, configuraria quebra de sigilo bancário, violando o artigo 5º, incisos X e XII da CF/88.

Da tribuna, sustentando oralmente pelo recorrente, o advogado Ricardo Lacaz Martins defendeu ser inadmissível que a Receita Federal tenha acesso contínuo aos dados dos contribuintes, sem que o Poder Judiciário confirme a real necessidade do conhecimento destes dados pelas autoridades fiscais. Para ele, se todos os dados ficarem à disposição da autoridade fiscal, sem a prévia autorização do Poder Judiciário, os contribuintes permanecerão em “estado de fiscalização contínua”.

A procuradora da Fazenda Nacional Luciana Miranda Moreira, em sua sustentação oral, afirmou que a autoridade tributária não pretende fiscalizar o sigilo fiscal, e sim pretende ter acessos a elementos que demonstrem a ocorrência de fato gerador. “Nós não pretendemos transformar o Poder Judiciário em fiscal da legalidade de um procedimento tributário, que sequer é processo tributário ainda um mero procedimento.”

De acordo com a procuradora, há um movimento mundial, desde os anos 70, no sentindo de acesso e compartilhamentos entre jurisdições de dados de movimentações financeiras. Movimento que foi iniciado, segundo ela, com a verificação de operações societárias que transcendiam as jurisdições, que eram voltadas a evasão fiscal e que geraram apreocupação com a lavagem de dinheiro. “A LC 105 sobreveio em 2001, naquele ambiente do atendado do 11 de setembro, e com isso há uma tendência mundial no sentido de que as jurisdições possam trocar informações relacionadas ao contribuinte, preservado o sigilo dos dados do contribuinte. Não há qualquer quebra mesmo aqui. Há uma transferência do sigilo a uma autoridade de outra jurisdição“.

ADIns

De relatoria do ministro Dias Toffoli, as ADIns 2390, 2386, 2397 e 2859, questionam a validade constitucional de preceitos da LC 105/01 e do decreto 3.724/01, que regulamenta o art. 6º da referida lei complementar, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a ela equiparadas.

Segundo alegado nas ações, ajuizadas pelo PSL, CNI, CNC, e PTB, não cabe ao Poder Executivo e ao MP autorizar diretamente a quebra de sigilo bancário ou fiscal de qualquer cidadão, sem a interferência da autoridade judiciária.

O advogado Wladimir Reale, em sua sustentação oral pelo PSL, pontuou que a decretação da quebra de sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs, pressupõe sempre a existência de ordem judicial, sem a qual “não se imporá à instituição financeira o dever de fornecer, seja à administração tributária, seja ao MP, seja ainda à polícia judiciária, as informações que lhe tenham sido solicitadas“.

Representando a Confederação Nacional da Indústria, o advogado Sérgio Campinho afirmou que o texto normativo questionado provoca uma quebra automática do sigilo e de forma permanente.
Para a CNI, neste caso não há que se invocar o interesse público. “Essa quebra de sigilo é uma quebra imotivada, consoante nós podemos ver pela leitura do texto não há motivação prévia. Há uma quebra contínua e automática do sigilo. E, se for verificado algum indício de irregularidade aí sim é que se estabelece a fiscalização. Isso é uma inversão da ordem lógica. Porque para haver a quebra tem que haver decisão judicial, reserva de jurisdição, e sempre decisão judicial motivada”.

A secretária-Geral do contencioso da Fazenda Nacional, Grace Maria Fernandes Mendonça, ressaltou em sua sustentação, que diferente da quebra de sigilo, o que se extrai da LC 105 é justamente a disciplina do sigilo. Para ela, não se tem uma quebra de sigilo, e sim uma extensão ou transferência do mesmo. “Na verdade, as instituições financeiras que devem guardar o sigilo assegurado constitucionalmente, elas passam, portanto, transferem, à RFB a ciência em torno dessa movimentação. A lei regra expressamente o sigilo. Ela expressamente menciona que esses dados já acobertados pelo sigilo no âmbito das instituições financeiras que esse sigilo se estende também para a atuação que é desenvolvida no âmbito da atuação da RFB.”

Amicus Curiae

O advogado Luiz Gustavo Antonio Silva Bichara sustentou oralmente pela OAB, amicuscuriae no processo. Ele lembrou que atualmente o compartilhamento de informações é complemente automático devido a uma instrução normativa editada pela RF. A IN, derivada da LC 105, prevê a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações financeiras de interesse da Receita por meio de uma declaração fiscal. Para Bichara, há na IN uma quebra de privacidade “muito mais violenta, “porque terá acesso o Fisco à informações sobre quanto se gastou, onde se gastou, e como se gastou“.

Sustentando pelo Banco Central, também amicus curiae, o procurador Isaac Sidney Menezes Ferreira, afirmou que, no caso da LC 105, o legislador ponderou valores constitucionais em confronto e elegeu hipóteses “excepcionais e restritas” em que o sigilo de dados bancários deve ceder espaço a atuação “organizada, eficiente e colaborativa de órgãos do Estado em prol de outros valore igualmente fundamentais”.

PGR

Defendendo a constitucionalidade da lei, o procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contestou os argumentos de que o acesso dos órgãos de controle aos dados bancários e financeiros seria uma indevida fiscalização contínua. Janot citou que em países democráticos, como os Estados Unidos, existe esse tipo de controle e que lá qualquer transação bancária acima de U$10 mil deve ser automaticamente comunicada às autoridades tributárias. Segundo Janot, “não é novidade brasileira o acesso a esses dados”, não havendo quebra de sigilo, mas extensão do sigilo bancário à Receita Federal, que já detém responsabilidade sobre o sigilo fiscal.

 
Com informações Migalhas e Cleto Gomes – Advogados Associados