A reforma da Previdência é uma das metas-chave do novo Governo Federal, sendo defendida, principalmente, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Apesar da importância dada ao projeto, não há a confirmação de qual modelo será enviado ao Congresso para implementação do novo sistema. Na expectativa da mudança, especialistas ouvidos pela reportagem confrontaram ideias sobre os regimes de repartição (utilizado atualmente) e de capitalização (sugerido por Guedes).
Entre os argumentos principais estão fraqueza do sistema financeiro brasileiro, que poderia gerar uma crise dentro do regime de capitalização, e a expansão do déficit previdenciário, que poderia ser agravado na continuação do sistema de repartição sem a reforma. De acordo com Marcelo Lettieri, diretor técnico do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco-CE), é preciso que haja bastante transparência com relação aos números associados à Previdência.
Em outra perspectiva, Ênio Arêa Leão, economista e sócio da Conceito Investimento, defende que o Governo Federal precisa fazer a transição para o modelo de capitalização no menor prazo possível. Leão considera que o sistema de capitalização, no qual cada contribuinte poupa para si mesmo, daria à Previdência nacional uma segurança relacionada ao envelhecimento da população ativa, que deve aumentar o número de aposentados e reduzir a arrecadação. Repartição
Para o diretor técnico do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco-CE), Marcelo Lettieri, pela configuração estrutural e política, o sistema mais adequado para o Brasil seria o de repartição, já em uso atualmente. Segundo ele, a aplicação do conceito de capitalização poderia, sim, funcionar, mas algumas questões cruciais precisariam ser discutidas com cautela para que o modelo não entre em colapso nos próximos 30 anos.
Lettieri considera que a transição para um regime de capitalização, híbrido ou completo, como o Governo Federal já discutiu, precisa colocar em pauta os gastos com a alteração de modelos e as deficiências ainda presentes na regulamentação e administração dos fundos de pensão no País. O diretor do Sindifisco defende que a Previdência por capitalização estaria muito sujeita a crises geradas pelos altos e baixos dos ciclos da economia, algo muito forte no sistema brasileiro. “O sistema de repartição tem se mostrado muito mais sólido em vários países do mundo. Já o de capitalização sofre com os ciclos econômicos, pois isso abala os fundos de pensão e pode afetar os rendimentos das aposentadorias de muitas pessoas, principalmente se as coisas estiverem muito concentradas”, disse.
Outra questão relevante seria como o governo faria a transição para o regime de capitalização. Como o sistema atual depende de um pacto de gerações – empregados ativos contribuindo para pagar o benefício de inativos e pensionistas -, ao se forçar a mudança de planos, os gastos com as aposentadorias passariam diretamente para o governo. Na capitalização cada pessoa poupa para o próprio benefício, o que diminuiria a arrecadação previdenciária.
Além disso, Lettieri acredita que as instituições brasileiras ainda não são muito confiáveis, então os fundos de pensão ainda precisariam de uma regulamentação maior. Problemas de administração desses fundos também dificultariam a realização do sistema de capitalização. “O nosso mercado financeiro ainda é pouco robusto, e a experiência com fundos de previdência é baixa. Temos um sistema de regulação ainda deficitário para o sistema de capitais, então precisamos profissionalizar e proibir indicações políticas. Depois que tivermos essa maturidade, nós poderíamos fazer essa transição. Mas eu não arriscaria, pois daqui a 30 anos, poderemos estar recolhendo os cacos, como no Chile, onde 80% dos aposentados recebem entre meio ou um salário mínimo como benefício”, explicou.
Por tudo isso que Lettieri defende que o modelo de repartição poderia continuar sendo utilizado no Brasil, necessitando apenas de algumas atualizações das condições de aposentadoria, como idade mínima e valor de contribuição. “Há um certo exagero no déficit. Eles olham só a arrecadação previdenciária contra a receita, mas a nossa legislação leva em conta outras verbas, outras fontes, como contribuições sociais que contribuem com a Previdência e o sistema seguridade social. E esse sistema entrou em um pequeno déficit apenas no ano passado, mas foi superavitário nos últimos 20 anos”.
Entre as alternativas de atualização do modelo de repartição, segundo Lettieri, está o aumento gradual da idade mínima com o avanço da expectativa de vida. Outra solução seria uma progressiva elevação da contribuição para compensar o déficit de arrecadação.