Já se demonstrou que a dita reforma trabalhista atropelou prazos, impediu debates e utilizou informações equivocadas, inclusive de outros países, reproduzidas de forma acrítica por autoridades como se verdade fossem. Com isso, angariou apoio de desavisados que serão fortemente prejudicados pela alardeada modernidade.
Questão interessante, e pouco abordada, diz respeito à necessária compatibilidade da alteração legislativa com as normas internacionais que o Brasil ratificou e incorporou a seu ordenamento jurídico. Não estamos sós!
Na ordem internacional, o fim da 2ª Guerra Mundial trouxe como principal legado a reconstrução dos direitos humanos a partir de um paradigma internacional, marcando uma virada kantiana do Direito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, proclamada sob os auspícios da ONU, representa a pedra angular do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).
Desde então, desenvolveram-se e aperfeiçoaram-se os instrumentos internacionais e os órgãos judiciais em matéria de direitos humanos, a fim de conferir efetividade aos direitos enunciados. A fim de responsabilizar Estados e indivíduos por violações aos direitos humanos, criou-se uma sofisticada rede de proteção internacional, a qual é ativada quando os Estados falham em tutelar a dignidade humana. São mecanismos que encaminham as relações, internas e externas, para um estágio civilizatório mínimo.
O DIDH revolucionou a ordem jurídica. O Direito Internacional deixou de ser pautado por razões de Estado, passando a orientar-se por razões de humanidade. No âmbito interno, a ordem jurídica brasileira passou a centrar-se na dignidade da pessoa humana. A influência do DIDH é marcante no rol de direitos fundamentais consagrados na Constituição, que incorpora o conteúdo da chamada Carta Magna dos Direitos Humanos, formada pela Declaração Universal e pelos Pactos Internacionais de 1966.
É digno de nota que a OIT, concebida em 1919, representa um dos principais precedentes históricos do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. O Direito do Trabalho — tão vilipendiado no Brasil — foi um dos grandes catalisadores desse sistema.
Em tempos de reforma trabalhista, conduzida de forma açodada e sob premissas equivocadas ou falsas, o Direito Internacional pode desempenhar o papel destacado de prevenir a implosão do caráter humanista e civilizatório do Direito do Trabalho.
Lida isoladamente, a lei da reforma apresenta inequívoco retorno ao estado de coisas vigente na Revolução Industrial, no final do século XIX. Todavia, John Marshall nos legou duas ferramentas fundamentais para neutralizar os efeitos socialmente deletérios da referida lei: o conhecido sistema de controle de constitucionalidade e a doutrina da interpretação consistente.
Em 1804, um ano após o famoso caso Marbury v. Madison, o juiz Marshall desenvolveu a “doutrina da interpretação consistente”, no caso Charming Betsy, segundo a qual todas as normas internas devem ser lidas em harmonia com as normas internacionais. Marshall influenciou o desenvolvimento do controle de convencionalidade. Dito isso, toda e qualquer norma aprovada pelo Legislativo somente será aplicável se estiver em harmonia com a Carta de 1988 e com a ordem jurídica internacional.
Daremos aqui apenas um exemplo do potencial construtivo do Direito Internacional. Enquanto a lei da reforma autoriza a celebração de instrumentos coletivos permissivos à prorrogação de jornada em ambientes insalubres, o Protocolo de San Salvador garante o direito a jornadas de menor duração quando se tratar de trabalhos insalubres. Nesse ponto, o referido dispositivo teve seus efeitos paralisados pelo protocolo.
E se o Direito Internacional dos direitos humanos for ignorado pelas cortes nacionais?
Muito se fala que a OMC seria a única organização internacional dotada de “garras e dentes”, em termos de força executiva para as suas normas. Todavia, em 2000, a OIT demonstrou o equívoco desse entendimento. Aprovou resolução que autorizava os países-membros a adotarem medidas retaliatórias comerciais contra Myanmar pela violação sistemática às normas dedicadas à erradicação do trabalho forçado. Com amparo nessa resolução, os EUA aprovaram a Burmese Freedom and Democracy Act of 2003.
Se os tribunais nacionais ignorarem as normas internacionais, quando da aplicação da lei da reforma trabalhista, o Brasil pode ser responsabilizado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos pelas ações e omissões do Judiciário, conforme entendimento adotado no caso Lagos del Campo v. Peru.
E para confirmar a força e as possibilidades do Direito Internacional, ainda é válido mencionar que até mesmo altos executivos podem ser julgados perante o Tribunal Penal Internacional, se responsáveis pela adoção de políticas empresariais causadoras de grande sofrimento físico ou mental a seus subordinados.
A partir da lente do DIDH, e da constatação de que não estamos sós nem desconectados do que ocorre no mundo, a reforma trabalhista pode ser contida nos seus propósitos precarizantes. O grande desafio dos que acreditam na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, comprometida internamente com a redução da pobreza e das desigualdades e, externamente, com a prevalência dos direitos humanos, reside em tornar as possibilidades do Direito Internacional efetivos instrumentos de concretização dos direitos humanos.
Questão interessante, e pouco abordada, diz respeito à necessária compatibilidade da alteração legislativa com as normas internacionais que o Brasil ratificou e incorporou a seu ordenamento jurídico. Não estamos sós!
Na ordem internacional, o fim da 2ª Guerra Mundial trouxe como principal legado a reconstrução dos direitos humanos a partir de um paradigma internacional, marcando uma virada kantiana do Direito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, proclamada sob os auspícios da ONU, representa a pedra angular do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).
Desde então, desenvolveram-se e aperfeiçoaram-se os instrumentos internacionais e os órgãos judiciais em matéria de direitos humanos, a fim de conferir efetividade aos direitos enunciados. A fim de responsabilizar Estados e indivíduos por violações aos direitos humanos, criou-se uma sofisticada rede de proteção internacional, a qual é ativada quando os Estados falham em tutelar a dignidade humana. São mecanismos que encaminham as relações, internas e externas, para um estágio civilizatório mínimo.
O DIDH revolucionou a ordem jurídica. O Direito Internacional deixou de ser pautado por razões de Estado, passando a orientar-se por razões de humanidade. No âmbito interno, a ordem jurídica brasileira passou a centrar-se na dignidade da pessoa humana. A influência do DIDH é marcante no rol de direitos fundamentais consagrados na Constituição, que incorpora o conteúdo da chamada Carta Magna dos Direitos Humanos, formada pela Declaração Universal e pelos Pactos Internacionais de 1966.
É digno de nota que a OIT, concebida em 1919, representa um dos principais precedentes históricos do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. O Direito do Trabalho — tão vilipendiado no Brasil — foi um dos grandes catalisadores desse sistema.
Em tempos de reforma trabalhista, conduzida de forma açodada e sob premissas equivocadas ou falsas, o Direito Internacional pode desempenhar o papel destacado de prevenir a implosão do caráter humanista e civilizatório do Direito do Trabalho.
Lida isoladamente, a lei da reforma apresenta inequívoco retorno ao estado de coisas vigente na Revolução Industrial, no final do século XIX. Todavia, John Marshall nos legou duas ferramentas fundamentais para neutralizar os efeitos socialmente deletérios da referida lei: o conhecido sistema de controle de constitucionalidade e a doutrina da interpretação consistente.
Em 1804, um ano após o famoso caso Marbury v. Madison, o juiz Marshall desenvolveu a “doutrina da interpretação consistente”, no caso Charming Betsy, segundo a qual todas as normas internas devem ser lidas em harmonia com as normas internacionais. Marshall influenciou o desenvolvimento do controle de convencionalidade. Dito isso, toda e qualquer norma aprovada pelo Legislativo somente será aplicável se estiver em harmonia com a Carta de 1988 e com a ordem jurídica internacional.
Daremos aqui apenas um exemplo do potencial construtivo do Direito Internacional. Enquanto a lei da reforma autoriza a celebração de instrumentos coletivos permissivos à prorrogação de jornada em ambientes insalubres, o Protocolo de San Salvador garante o direito a jornadas de menor duração quando se tratar de trabalhos insalubres. Nesse ponto, o referido dispositivo teve seus efeitos paralisados pelo protocolo.
E se o Direito Internacional dos direitos humanos for ignorado pelas cortes nacionais?
Muito se fala que a OMC seria a única organização internacional dotada de “garras e dentes”, em termos de força executiva para as suas normas. Todavia, em 2000, a OIT demonstrou o equívoco desse entendimento. Aprovou resolução que autorizava os países-membros a adotarem medidas retaliatórias comerciais contra Myanmar pela violação sistemática às normas dedicadas à erradicação do trabalho forçado. Com amparo nessa resolução, os EUA aprovaram a Burmese Freedom and Democracy Act of 2003.
Se os tribunais nacionais ignorarem as normas internacionais, quando da aplicação da lei da reforma trabalhista, o Brasil pode ser responsabilizado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos pelas ações e omissões do Judiciário, conforme entendimento adotado no caso Lagos del Campo v. Peru.
E para confirmar a força e as possibilidades do Direito Internacional, ainda é válido mencionar que até mesmo altos executivos podem ser julgados perante o Tribunal Penal Internacional, se responsáveis pela adoção de políticas empresariais causadoras de grande sofrimento físico ou mental a seus subordinados.
A partir da lente do DIDH, e da constatação de que não estamos sós nem desconectados do que ocorre no mundo, a reforma trabalhista pode ser contida nos seus propósitos precarizantes. O grande desafio dos que acreditam na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, comprometida internamente com a redução da pobreza e das desigualdades e, externamente, com a prevalência dos direitos humanos, reside em tornar as possibilidades do Direito Internacional efetivos instrumentos de concretização dos direitos humanos.