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Antônio Cleto Gomes
Sylvia Vilar Teixeira Benevides
Sócios de Cleto Gomes – Advogados Associados

Os efeitos da medida provisória 927 de 22 de março de 2020 não convertida em lei

Muito se questiona acerca da aplicação das providências contempladas na medida provisória 927/20, haja vista a expiração de seu prazo de vigência e sua não conversão em lei no prazo de 120 (cento e vinte) dias correspondente aos 60 (sessenta) dias iniciais acrescidos da respectiva prorrogação por igual período, vindo então a perder sua eficácia.

A medida provisória 927 de 22/3/20, dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).

O referido diploma, com o intuito de preservar o emprego e a renda, elencou diversas medidas trabalhistas a serem adotadas pelos empregadores, dentre as quais destacam-se:

Art. 3º. Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:

  1. O teletrabalho;
  2. A antecipação de férias individuais;

III. A concessão de férias coletivas;

  1. O aproveitamento e a antecipação de feriados; (Vide ADI nº 6380)
  2. O banco de horas;
  3. A suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

VII. O direcionamento do trabalhador para qualificação; e

VIII. O diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Nos casos em que entidades sindicais representativas das empresas e dos empregados celebraram acordo entre si, pactuando normas previstas na MP, terão seus dispositivos assegurados pela Constituição Federal, quando a mesma prevê o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho, bem como pelos arts. 611 e 611-A da CLT:

Constituição Federal

Art. 7º … omissis …

XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

Consolidação das Leis do Trabalho

Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

II – banco de horas anual;

III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;

V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

VI – regulamento empresarial;

VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;

VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X – modalidade de registro de jornada de trabalho;

XI – troca do dia de feriado;

Invoca-se, por oportuno, o disposto nos arts. 165 e 166 do CPC combinado com art. 5º, XXXV da CF/88, para os casos em que referidos termos foram submetidos a homologação pelo Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC) dos respectivos tribunais:

CPC

Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

CF/88

Art. 5º XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Destarte, observa-se ainda que consta do próprio texto da medida provisória, que as disposições ali elencadas aplicam-se enquanto perdurar o estado de calamidade pública, reconhecido até 31/12/20 pelo decreto legislativo 6/20, verbis:

Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Decreto Legislativo 6/20

Art. 1º Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.

Tem-se ainda a previsão constitucional acerca das relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência da medida provisória, verbis:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

  • 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

  • 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

Os acordos individuais celebrados entre os empregadores e empregados, durante a vigência da medida provisória 927/20, disciplinando a adoção das medidas elencadas no diploma legal, conforme previsão contida no art. 2º da medida provisória, caracterizam relação jurídica a ser protegida sobre o manto assegurado ao ato jurídico perfeito, ex vi do art. 5º, XXXVI, da CF/88:

Art. 5º … omissis

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Por outro lado, no tocante a aplicação da medida provisória 927/20 no que se refere a SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, contemplada nos arts. 15 e 16 do referido diploma legal, entende-se pela sua impossibilidade:

Art. 15. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.

  • 1º Os exames a que se refere caputserão realizados no prazo de sessenta dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
  • 2º Na hipótese de o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização.
  • 3º O exame demissional poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de cento e oitenta dias.

Art. 16. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, fica suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.

  • 1º Os treinamentos de que trata o caput serão realizados no prazo de noventa dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
  • 2º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, os treinamentos de que trata o caput poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância e caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.

Ainda que se possa invocar a aplicação do disposto no parágrafo único do art. 1º da medida provisória 927/20, a realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares constitui norma de saúde e segurança do trabalho, portanto, ainda que tenha ocorrido a caducidade da medida provisória que suspendia tal obrigatoriedade, os exames devem ser realizados imediatamente após a expiração da MP, por ser medida salutar para as empresas, principalmente no tocante a prevenção e acompanhamento da saúde dos seus empregados.

Atualmente, encontra-se em trâmite a ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 15 da medida provisória, e inobstante não se tenha notícia do deferimento de liminar em relação aos arts. 15 e 16, o julgamento favorável da referida ação importar em efeitos erga omnes, que significa dizer que pode ser oponível contra todos, e não apenas contra aqueles que fizeram parte em litígio.

Quanto a possibilidade de celebração de novos acordos individuais após a caducidade da MP, tal procedimento só é aconselhável em se tratando de empregados que estavam com contratos de trabalho em vigor à época da vigência da medida provisória e com os quais não foi celebrado acordo individual anteriormente, desde que as entidades sindicais representativas tenham celebrado e homologado acordo coletivo contemplando referidas medidas.

Aos empregados admitidos após a caducidade da medida provisória 927/20, ou seja, a partir de 20/7/20, não seria possível a celebração de novos acordos nos referidos termos.

Portanto, conclui-se que os acordos celebrados entre entidades sindicais, bem como os acordos individuais de trabalho, desde que celebrados durante a vigência da medida provisória 927/20, e, contemplando a adoção de antecipação de férias, banco de horas, antecipação de feriados e teletrabalho, ainda poderão ser implementados enquanto perdurar o estado de calamidade pública, cujos efeitos foram reconhecidos através de decreto legislativo até 31/12/20.