Depois do auge do boom imobiliário nos últimos cinco anos, os negócios do setor esfriaram. A crise político-econômica enfrentada pelo País e as condições de financiamento cada vez mais apertadas têm causado medo de comprar. Com estoques cheios, construtoras e imobiliárias passam por um período de ajuste e buscam formas de seduzir o consumidor, oferecendo melhores preços e produtos.
Em 2014, as vendas de imóveis encolheram 35% no País, segundo a consultoria imobiliára Patrimóvel, e não dão sinal de recuperação. O resultado da oferta de tanto estoque é a desaceleração dos preços. Em fevereiro, o Índice FipeZap – principal referência sobre a variação dos preços de imóveis residenciais brasileiros – indicou que nenhuma das 20 cidades pesquisadas registrou aumento superior à inflação, pelo segundo mês consecutivo. O aumento dos preços no País foi de 0,17%, na comparação com janeiro, e de 5,87%, em relação a fevereiro de 2014.
“Na prática, significa que está mais barato comprar imóvel hoje do que nos últimos meses. Essa tendência deve continuar”, projeta o economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Bruno Oliva. Mas o aumento de opções à disposição e os preços atrativos também indicam que é momento para consumidores redobrarem os cuidados antes de fechar negócios.
Em Porto Alegre, os preços não devem reduzir, mas subirão a passos mais lentos do que nos anos anteriores, como projeta o presidente do Sindicato da Habitação do Rio Grande do Sul (Secovi-RS), Moacyr Schukster. No ano passado, a Capital enfrentou queda na velocidade de locações e estabilidade nas vendas. A perspectiva nacional de redução da oferta de emprego e de diminuição da renda também deve impactar na comercialização de imóveis na Capital e no aumento da inadimplência.
Com redução da procura no ano passado e estoques cheios, a tendência é construtoras e imobiliárias apostarem em promoções e condições especiais de negociação na Capital, como destaca Schukster. “É preciso estar atento às ofertas de fins de semana. Este é um grande momento para investir em imóveis”, sugere o presidente do Secovi-RS. Nesse cenário, a exemplo do que já fizeram ano passado, as construtoras vão reduzir lançamentos em 2015.
De acordo com dados divulgados pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), o ano começou em ritmo lento. A taxa de velocidade de vendas (relação das vendas sobre as ofertas) de imóveis novos na Capital foi de 5,29% em janeiro, inferior à registrada em dezembro de 2014, quando atingiu a 16%, segundo apurou a pesquisa do Mercado Imobiliário da Capital, elaborada mensalmente. No entanto, em relação a janeiro de 2014, houve decréscimo, pois naquele período a taxa foi de 5,68%.
No primeiro mês de 2015, isoladamente, foram negociadas 194 unidades em Porto Alegre, um decréscimo de 71,60% na comparação com dezembro de 2014, quando foram vendidas 683 unidades. Já na comparação com janeiro de 2014, houve um decréscimo de 27,34% no número de unidades comercializadas. Em termos acumulados nos últimos 12 meses, foram negociadas 4.539 unidades, o que significa uma redução de 12,54%.
A pesquisa apurou também que em janeiro de 2015 não houve lançamentos em Porto Alegre. Nos últimos 12 meses, os lançamentos totalizaram a 2.533 unidades, num decréscimo de 42,87% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Os estoques na Capital ainda não estão sobrando em quantidade, como explica o vice-presidente do Sinduscon-RS, Aquiles Dal Molin, em função de projetos que demoraram para ser aprovados pela prefeitura ao longo dos últimos dois anos. “Isso trouxe para o setor perdas de oportunidade, pois enfrentamos dificuldades para liberar projetos”, explica. Ele destaca que, apesar do cenário de “maior cautela”, as vendas de imóveis de alto valor não diminui, pois o cenário ruim afeta mais a população que precisa financiar seu imóvel.
Para ganhar a confiança do agora supercauteloso consumidor, construtoras e imobiliárias já oferecem promoções de até 20% de desconto e negociam melhores condições de pagamento. No segmento de imóveis usados, que precisa concorrer com a grande oferta de novos, as reduções de preço são mais frequentes.
A demanda por imóveis persiste, mas, a exemplo do que acontece na economia, passa por um período de ajuste. Agora, para garantir a venda de um empreendimento, afirmam especialistas, é preciso oferecer um produto finamente adequado ao consumidor, casando localização, qualidade e preço.
Para sobreviver às dificuldades do mercado, a imobiliária Auxiliadora Predial, em Porto Alegre, investiu em treinamentos e qualificação de funcionários no ano passado. A empresa também pretende lançar franquias especializadas, como uma focada em imóveis na área rural, em Porto Alegre. Segundo o diretor de vendas, franquias e marketing da imobiliária, Antônio Azmus, as ações têm trazido resultados. Na contramão do mercado, as vendas de imóveis usados em janeiro e fevereiro superaram 30% as metas.
Diferentes cidades do País enfrentam um período de desaceleração
Não foi só em Porto Alegre que o boom imobiliário passou. Diferentes cidades no País enfrentam queda na compra e venda de imóveis. Em Brasília, o mercado está praticamente parado. A desaceleração da economia e a burocratização para aprovar os projetos são apontadas como os maiores problemas por empresários do setor.
Segundo o presidente da Rede Brasília de Imóveis, Túlio Cesar Barbosa Siqueira, as incorporadoras pararam de construir novos empreendimentos, e os imóveis comercializados e entregues no momento foram lançados na planta há dois ou três anos. “As vendas de apartamentos novos com um ou dois dormitórios caíram. Antes, eram vendidas de 10 a 12 unidades por mês, hoje são cinco”, conta. Em compensação, os descontos oferecidos pelas imobiliárias variam entre 5% e 20%.
De acordo com Siqueira, se antes eram vendidas entre oito a 10 unidades ao mês, agora, não são mais de duas, Para ele, a retração na economia é a principal razão para esse comportamento. “Mesmo aquele casal que tem renda média entre R$ 12 mil e R$ 15 mil está mais cauteloso. Muitas vezes, comprava-se um segundo imóvel para investir ou trocava-se por um maior. Agora, a preferência é por aguardar mais um pouco antes de uma nova compra”, explica.
O presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal, Paulo Muniz, considera que o mercado se retraiu nos últimos anos. “Há seis anos, começamos a ter muita dificuldade na aprovação de projetos”, argumenta. Os lançamentos em Brasília em 2014 chegaram a pouco mais de duas mil unidades, número que não agradou. “Consideramos um número muito pequeno”, avalia Muniz.
Em São Paulo, o ano de 2014 foi o mais fraco dos últimos 10 anos para os negócios no mercado imobiliário. Por isso, o início de março foi marcado por um festival de promoções das construtoras paulistanas, com descontos que chegam a R$ 300 mil.
De acordo com o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), o estoque de imóveis residenciais novos no estado fechou 2014 em 27.225 unidades. Já as vendas ao longo do ano passado caíram 35,2% na comparação com 2013. “O grande problema hoje é a falta de confiança do consumidor e do empresário. Isso fez o mercado esfriar”, avalia Cláudio Bernardes, presidente do Secovi-SP.
O cenário no mercado de imóveis comerciais não é muito diferente. Números da Jones Lang LaSalle (JLL), que mapeia o movimento dos negócios de escritórios “classe A” das áreas nobres de São Paulo, mostram que o mercado tem a maior taxa de vacância desde 2009, de 22,8%. “É um índice alto. Consideramos que a taxa está equilibrada quando gira em torno de 10% ou, no máximo, 15%”, explicou Guilherme Soares, diretor de Gestão de Projetos e Desenvolvimento da JLL.
É hora de rever a supervalorização de preços
Nos últimos anos, muitos proprietários de imóveis no Rio de Janeiro passaram a se sentir milionários, graças à supervalorização das residências. Agora, o movimento é outro: é preciso ajustar preços. A valorização na maior parte dos bairros da cidade nos últimos 12 meses ficou abaixo da inflação e chegou a cair em algumas áreas, segundo o Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro (Secovi-Rio).
Os valores de imóveis no Rio de Janeiro estabilizaram devido ao freio na economia. “Mas dificilmente haverá queda relevante em preços de imóveis. A margem do setor é baixa, e a saída passa a ser negociar as condições de pagamento”, considera o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro (Ademi-Rio), João Paulo de Matos.
O mercado do Rio de Janeiro totalizou 16,9 mil unidades lançadas no ano passado, o que representa queda de 20% em relação a 2013. Nste ano, os lançamentos devem cair no mesmo patamar, ou ainda mais, como projeta Matos.
Nem mesmo quem trabalha neste mercado escapa da nova realidade. Elza Salles, gerente de uma imobiliária, está penando para vender seu apartamento de três quartos e 120 metros quadrados no coração de Copacabana. Anunciado por R$ 1,5 milhão cinco meses atrás, ela não recebeu nenhuma ligação pelo imóvel. No mês passado, Elza baixou o valor para R$ 1,25 milhão. Nada ocorreu. Até o momento, a melhor proposta que recebeu foi de R$ 1,1 milhão, mas insiste no preço pedido. “É um apartamento que venderia como quisesse antes da Copa. Hoje, tenho dificuldade”, conta.
O professor do Insper Ricardo Humberto Rocha destaca que a queda no setor não se trata do estouro de uma bolha imobiliária, e que a retração em lançamentos é inevitável. “Esse ajuste levará a dois questionamentos de pontos nebulosos: a real margem das construtoras e os custos do setor”, avalia. Para o diretor-geral da agência de imóveis Brasil Brokers, José Roberto Federighi, apesar do estoque elevado, a acomodação dos preços é passageira, e os lançamentos devem voltar.
Imobiliárias estão atentas às mudanças de cenário
Para enfrentar o momento de cautela no setor imobiliários, alguns corretores independentes trocam de ramo, e pequenas empresas optam por funcionários em home office. “Acabou a época em que o vendedor mandava no mercado. Para vender, é preciso seduzir o consumidor com melhor preço, qualidade e produto adequado”, afirma Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel.
A doutora em Antropologia do consumo e professora da ESPM-Rio Hilaine Yaccoub explica que a instabilidade econômica é um dos motivos do freio nos negócios, pois o medo de comprar do consumidor representa um entrave para o mercado. Por trás dele, há mais que a cautela frente ao cenário econômico, com instabilidade de emprego e renda. “Para o brasileiro, comprar a casa própria é a realização de um sonho. Representa estabilidade, sucesso, numa lógica de resguardo e proteção. Mas agora está atrelada a contratos de financiamento por uma vida inteira. As pessoas têm medo de se arriscar”, explica.
Com pessoas fugindo da compra e maior oferta de imóveis, em paralelo, cai o preço do aluguel. “O ano de 2014 foi quando fechei mais contratos de locação nos últimos cinco anos. Os investidores pularam fora do mercado. Quem tem dinheiro aplicado pensa duas vezes antes de investir num ativo que não vai render mais que a inflação”, acredita Rodrigo Barbosa, do site Morabilidade, com foco em imóveis classe A.
Na tentativa de queimar os estoques e abrir caminho para novos lançamentos, as construtoras passaram a organizar verdadeiros saldões. Em São Paulo, a construtora Tecnisa, por exemplo, divulga a promoção Mega Bônus, que promete descontos de até R$ 40 mil na capital paulista. Ainda não há perspectiva, no entanto, de uma queda geral nos preços das residências na capital, de acordo com o Secovi-SP.
Com informações JCRS