A contrariedade ao projeto de lei que unifica o registro civil dos brasileiros ficou ainda mais evidente na audiência pública que a comissão especial da Câmara dos Deputados, que estuda a proposta, promoveu nesta quinta-feira (24/9), na sede da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil.

Os especialistas que participaram do debate questionaram aspectos do texto que vão da segurança na coleta dos dados a um possível retrocesso nos atuais programas de erradicação do sub-registro. No entanto, a crítica mais contundente foi ao Tribunal Superior Eleitoral, que, pela proposição, seria o responsável por gerir o novo sistema.

A proposta que cria o Registro Civil Nacional partiu do TSE. Pelo texto, a corte seria a responsável por conceder um número de registro único para cada brasileiro, que substituiria diversos documentos — como o RG, o CPF e o título de eleitor. O governo federal encampou a ideia, tanto que a enviou para a Câmara dos Deputados na forma do Projeto de Lei 1.775/15, atualmente sob a relatoria do deputado Julio Lopes (PP-RJ).

Porém, a proposta causou chiadeira no Judiciário estadual. Em uma carta, os presidentes dos tribunais de Justiça dos 26 estados e do Distrito Federal declararam “frontal oposição à aprovação do PL 1.775/2015”, justamente por permitir que a Justiça Eleitoral abarque competências da Justiça comum relacionadas à normatização e fiscalização da atividade registral no país.

Essa posição ficou clara na participação da juíza de registro civil Raquel Crispino, que falou em nome do TJ do Rio. Ela disse ter dúvidas se a Justiça Eleitoral poderia acumular essa nova função e, caso isso realmente aconteça, afirmou ter receio de que a mudança traga mais burocracia ao cidadão.

“Tenho muito orgulho do Judiciário Eleitoral brasileiro e quero que ele continue sendo esse espaço de exercício da cidadania, mas temo juntar as duas atribuições [a de fazer eleições e o registro do civil dos cidadãos], de uma forma simplória e sem uma maior profundidade quanto à gravidade da situação brasileira acerca da identidade civil. Isso me preocupa”, afirmou.

Posição mais dura demonstrou ter a diretora da Associação de Registradores de Pessoas Naturais, Ana Paula Canoza Caldeira. Ela disse que a competência para fiscalizar os cartórios de registro é dos TJs e do Conselho Nacional de Justiça e que a transferência dessa atribuição para o TSE seria inconstitucional.

A registradora apontou diversas outras inconstitucionalidades do projeto, inclusive com relação ao nome que ele atribui ao novo sistema: Registro Civil Nacional. “O projeto não pode se apropriar da expressão registro civil, que é uma atividade específica do registrador civil, estabelecida pela Constituição no artigo 236, que prevê um concurso público para esse cargo. Outra inconstitucionalidade diz respeito as competências do TSE, que só podem ser alteradas por lei complementar, e o projeto é de lei ordinária”, criticou.

Ana Paula disse que a proposta “traz diversas desvantagens para o cidadão” e pode pôr em risco os projetos de erradicação do sub-registro. De acordo com ela, isso ocorreria em razão da “perda da capilaridade” que traria a transferência da atribuição de conceder registros para o TSE. Segundo a registradora, a Justiça Eleitoral conta com 2,4 mil postos de atendimento no país, em contrapartida aos 12 mil cartórios de registro civil das pessoas naturais.

A registradora destacou que muitos desses cartórios atendem dentro das maternidades e funcionam aos fins de semana. “Além disso, cartório de RCPN não entra em greve. Curiosamente, o TSE está atualmente em greve. Uma situação assim pode provocar a descontinuação do serviço registral no país”, afirmou.

Ela disse que a entidade é a favor da identificação nacional, mas não dá forma como proposta no projeto. “Não somos contra a identificação única. Entendemos que isso é importante e vai facilitar a vida do cidadão, assim como nosso trabalho, mas entendemos também que, em um Estado Democrático de Direito, os fins não justificam os meios. As inconstitucionalidades precisam ser analisadas.”

A juíza-auxiliar do TSE esclareceu que a identificação nacional, prevista no projeto de lei, não substituirá o registro civil. “O projeto prevê a vinda das informações do registro civil. Essa informação viria em dois momentos: no registro de nascimento ou no cadastro eleitoral, quando a pessoa compareceria ao cartório eleitoral munido do registro de nascimento. E esse registro continuaria sendo feito pelos senhores registradores. Dessa forma, não haveria alteração da competência do TSE, a Justiça Eleitoral não se transformaria em um registrador”, frisou.

O procurador do Estado Rodrigo Mascarenhas afirmou que “temos um sistema centenário que funciona razoavelmente” e que o projeto de lei usurpa da competência do Judiciário dos estados quanto à fiscalização do serviço. “Concordamos com um documento nacional, somos contra o projeto como está. Acho que devem ser preservadas a competência dos cartórios de registro.”

O deputado Julio Lopes destacou a importância do debate sobre o projeto de lei que, se aprovado, afetará toda a sociedade. De acordo com ele, o debate contribuirá para o aperfeiçoamento da proposta. “Tão logo tenhamos a redação final desse projeto, voltaremos a nos reunir”, destacou.

Clique aqui para ver a tramitação do projeto de lei.

Com informações Conjur e Cleto Gomes- Advogados Associados
 
 
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