A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) entrou em alerta diante da possibilidade de a Câmara dos Deputados ampliar de forma significativa o alcance do programa de renegociação de dívidas com a União, o Refis, que está sendo discutido no Congresso.
As mudanças podem favorecer grandes empresas devedoras, com descontos generosos em multas e juros, ainda que elas tenham tido lucro durante a pandemia de Covid-19.
Na versão anterior, o programa concedia os maiores benefícios para companhias que enfrentaram dificuldades na crise.
Um parecer preliminar do relator, deputado André Fufuca, ao qual a reportagem teve acesso, já indicava a direção das alterações e disparou a luz amarela no Ministério da Economia.
Procurado pela reportagem, Fufuca confirmou que pretende ampliar o acesso ao programa, mas disse que o texto ainda está sendo negociado com líderes da Câmara para ser votado nesta semana. Por isso, pode passar por alterações até ser protocolado oficialmente.
O relator ainda questionou o prejuízo apontado por técnicos da área econômica.
“Como é que você pode alegar que essas empresas vão ter condições de pagar se não for por meio do Refis, das condições que estamos criando? Se ela não pode pagar, consequentemente não vai ter arrecadação, o governo federal não vai receber esse recurso. Então está perdendo o quê?”, disse Fufuca.
Pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal ), porém, a concessão de descontos ou o uso de créditos de prejuízo fiscal para abater o saldo devedor são considerados renúncias de receitas.
A versão preliminar do parecer dá a todos os contribuintes o mesmo tratamento em termos de benefícios e condições de parcelamento, independentemente da situação financeira.
“Queremos democratizar o acesso ao Refis, evitar judicialização futura, entender o cenário atual da pandemia, em que várias empresas estão passando por dificuldades. Qual é a empresa que tem hoje 30% do que deve para pagar de entrada? Então é mais ou menos nessa direção”, afirmou o relator.
O texto prevê a possibilidade de renegociar dívidas com a União mediante o pagamento de uma entrada de 5% do valor devido.
Fufuca disse que o porcentual final pode ser maior, de 10% do débito. Ainda assim, o valor fica abaixo do aprovado pelo Senado, que ia de 2,5% a 25%, conforme o grau do prejuízo sofrido durante a pandemia.
O objetivo era priorizar os contribuintes mais afetados e evitar conceder vantagens excessivas a devedores contumazes.
Mesmo no auge da crise, muitas empresas pagaram tributos sem descontos, em dia ou com prazos alargados graças aos diferimentos concedidos pelo governo em 2020 e 2021.
Por isso, o texto negociado com os senadores até permitia que contribuintes sem queda no faturamento ingressassem no Refis, mas mediante o desembolso de um valor maior de entrada (25% da dívida) e com acesso a descontos menos generosos.
O parecer preliminar de Fufuca, por sua vez, prevê não só uma entrada menor, mas também descontos lineares de 70% em juros e multas e 100% em encargos e honorários advocatícios.
O texto ainda permite a liquidação do saldo remanescente com o uso de créditos tributários obtidos quando há prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
Outro artigo dá condições ainda mais favoráveis de negociação. O dispositivo permite a quitação integral da dívida com os créditos de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL, após descontos de 90% em juros e multas e 100% em encargos.
No limite, empresas em boas condições financeiras, mas que tiverem prejuízos fiscais acumulados nos balanços, poderiam usá-los para quitar as dívidas sem desembolsar nenhum centavo.
Fufuca, porém, negou que vá permitir o uso indiscriminado dos créditos para abater as dívidas.
“Há um limite para o prejuízo fiscal, tanto na transação [tributária, outra modalidade de negociação] quanto no Refis. Alguns limites serão alterados, mas não vai ser 100%, porque senão a União não vai recolher nada”, afirmou o relator.
No texto do Senado, o limite para o uso dos créditos de prejuízo fiscal ia de 25% a 50% do saldo remanescente, após o pagamento da entrada.
A área econômica vê o texto preliminar como uma bomba fiscal e classifica o desenho elaborado pela Câmara como o Refis mais agressivo já visto.
No programa de renegociação criado em 2017, também era permitido o uso de créditos de prejuízo fiscal para abater as dívidas, mas havia como contrapartida um porcentual maior de entrada, a ser paga em dinheiro.
A possibilidade de acumular os descontos e o uso de créditos de prejuízo fiscal, por sua vez, era limitada a contribuintes com dívidas inferiores a R$ 15 milhões.
Agora, grandes contribuintes teriam acesso a condições sem precedentes em um programa de renegociação de dívidas com a União. O alcance amplo das medidas tem dificultado até mesmo o trabalho dos técnicos em estimar o tamanho do estrago.
O texto aprovado pelo Senado já era mais benevolente do que pretendia o Ministério da Economia, mas ainda preservava alguns princípios considerados cruciais, como a gradualidade dos descontos, conforme o tamanho da perda de faturamento ou renda.
A proposta original do Refis foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ainda em 2020.
O argumento é que os efeitos da pandemia deixaram empresas e pessoas físicas em situação de dificuldade, o que requer uma renegociação de dívidas com a União.
Caso a Câmara leve adiante as propostas de alteração, o texto precisará ser votado novamente pelo Senado. Há pressão das empresas interessadas no programa para que o refinanciamento seja implementado logo.
O relator se mostrou otimista com a aprovação rápida nas duas Casas. “É uma reivindicação nacional”, disse.
Fonte: Folha de SP