A Procuradoria-Geral da República protocolou, nesta semana, uma ação no Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade das normas do Estatuto da Advocacia que obrigam os advogados públicos a manterem inscrição junto à Ordem dos Advogados do Brasil. O argumento é que a exigência seria desnecessária já que os defensores da administração pública têm a atividade regulada por leis próprias. A reivindicação, contudo, parece não refletir o anseio das carreiras da advocacia pública. Diversas entidades de classe já se manifestaram contra a empreitada da PGR.
A ação direta de inconstitucionalidade foi autuada pelo STF na última terça-feira (16/6) e sequer tem relator designado. Na petição, a PGR tenta derrubar o artigo 3º, caput e parágrafo 1º, do Estatuto da Advocacia. O caputestabelece que “o exercício da advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na OAB”.
Já o parágrafo 1º afirma que “exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”.
A PGR alega que os advogados públicos “exercem sim atividade de advocacia, mas sujeitam-se a regime próprio, com estatuto específico, não devendo inscrever-se na OAB nem, tampouco, a ela se submeter”.
A Procuradoria-Geral da República defende que o entendimento da OAB de que somente o advogado regularmente inscrito na entidade tem legitimidade para postular na Justiça já foi afastado pelo STF e cita como exemplo disso os membros do Ministério Público que, apesar de impedidos de manterem inscrição na Ordem, tem capacidade postulatória; assim como os cidadãos que podem acionar os juizados especiais e trabalhistas sem defensor constituído; e até as pessoas incapazes, que podem impetrar Habeas Corpus.
Segundo a PGR, a Constituição delegou à OAB a importante função de fiscalizar os advogados privados — não os públicos. Por isso, manteve com o Estado a responsabilidade de selecioná-los, fiscalizar suas atividades e, eventualmente, aplicar-lhes penalidades disciplinares.
“Outro viés importante a ser considerado diz respeito à impossibilidade jurídica e fática de a OAB exercer qualquer controle sobre as atividades desempenhadas pelos advogados públicos no exercício de suas funções institucionais, ou submetê-los ao seu regramento disciplinar. Não sendo entidade componente da administração pública federal, não pode pretender imiscuir-se na disciplina e vinculação funcional dos advogados públicos”, argumentou a PGR na petição inicial.
Repúdio
A revista eletrônica Consultor Jurídico procurou as entidades representativas da categoria para falar sobre a questão. O assessor para assuntos jurídicos da Associação Nacional dos Procuradores Federais,Ricardo Marques de Almeida, afirmou que a entidade é contra a ação direta de inconstitucionalidade impetrada pela PGR. Entre os motivos, ele destacou o fato do Estatuto da Ordem ser atualmente “a grande fonte dos direitos e prerrogativas dos procuradores”.
O procurador destacou que o STF já consolidou jurisprudência no sentido de que a norma da OAB também alcança os advogados públicos. A primeira decisão que ratificou a tese foi proferida com base no voto do então ministro Maurício Corrêa, quando a carreira de procurador federal ainda não era regulamentada.
Mas decisões mais recentes, proferidas com base nos votos da ministra Cármen Lúcia e Dias Toffoli, reafirmaram que o estatuto também abrange os procuradores. “Nosso estatuto não fala em direitos e prerrogativas. É o Estatuto da Advocacia que nos garante isso”, afirmou Almeida.
Para o procurador, desvincular o advogado público da OAB retira a identidade deste profissional. Além disso, exclui direitos aos integrantes da advocacia pública, como aos honorários ou ao exercício da advocacia privada quando pro bono, em causa própria ou nos casos em que o profissional estiver licenciado do cargo público.
Também criticou a ação da PGR a Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM). Por meio de nota, a entidade diz que “lamenta a falta de compreensão do papel histórico e atual dos advogados e da OAB na sociedade brasileira e em suas aspirações democráticas” e que alijar a advocacia pública da Ordem “é enfraquecê-la, extraí-la a fórceps de seu ambiente natural e, desta forma, prejudicar seus fins, objetivos que atentam contra o Estado Democrático de Direito e a cidadania”.
“Integrar a OAB não é fundamental apenas pelo papel institucional desempenhado pela entidade, seja na defesa das prerrogativas, seja na fiscalização do exercício da advocacia, mas também porque é essencial participar dos debates e da ação da entidade em prol da sociedade, do Estado Democrático de Direito, da Justiça e da Advocacia, pública e privada”, afirma a entidade no manifesto.
O mesmo posicionamento apresentou a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape). Também por meio de nota publica, a entidade afirma que “os advogados públicos estaduais foram surpreendidos pelo ajuizamento da demanda, que questiona dispositivo vigente há mais de 20 anos, desde a edição do Estatuto da Advocacia”.
“Os advogados públicos estaduais têm de preservar sua identidade de advogado e a vinculação à Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que sempre esteve à frente das grandes questões da sociedade brasileira”, afirma a entidade.
Resposta da OAB
Procurada pela Conjur, a OAB afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que “fica honrada em saber que a ampla maioria dos advogados públicos defende sua permanência nos quadros da entidade”.
A Ordem disse que defende a inscrição do advogado público para que este continue tendo assegurado seus direitos e obrigações inerentes à profissão.
“O advogado é um só. A qualificação se privado ou público diz respeito apenas a definir quem é o seu cliente, se um particular ou o Estado. No caso específico do defensor público, ele é um advogado que deve atender as pessoas necessitadas economicamente. Os pobres devem ter a mesma proteção dos ricos, com advogados inscritos na OAB. Não há razão jurídica ou social para que ocorra algum tipo de discriminação em relação às camadas menos favorecidas da população”, afirmou.
ADI 5.334
Com informações Conjur e Cleto Gomes- Advogados Associados