Possível erro de interpretação, que tenha levado o Conselho Municipal de Contribuintes (CMC) a exonerar uma empresa de recolher tributo municipal, não desconstitui a coisa julgada administrativa. Afinal, conforme prevê o artigo 156, inciso IX, do Código Tributário Nacional (CTN), o crédito tributário se extingue quando não houver mais possibilidade de reforma da decisão na órbita administrativa. O entendimento foi repisado na sessão do dia 26 de março, quando 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou os termos do acórdão de Apelação lavrado pelo próprio colegiado na sessão de 12 de fevereiro.
Os recursos foram manejados pelo município de Caxias do Sul, no afã de desconstituir sentença que, em Mandado de Segurança, impediu que o auto-de-infração lavrado originalmente em 2007 contra uma metalúrgica fosse novamente reeditado, depois de ter sido extinto por decisão do Conselho de Contribuintes. O fisco entende que a empresa tem de recolher Imposto sobre Serviços, já que trabalha com revestimento de superfícies (galvanoplastia).
A relatora de ambos os recursos, desembargadora Marilene Bonzanini, disse que a Administração Pública pode rever os seus atos, como autoriza a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, o estado democrático de direito também está pautado por outros princípios, como o da segurança jurídica e o da proteção da confiança. ‘‘E, nesse esteira, sobressai o tema da coisa julgada administrativa que, para Celso Antônio Bandeira de Mello, ocorre quando, relativamente a algum ato administrativo, ‘a Administração fica impedida não só de retratar-se dele na esfera administrativa, mas também de questioná-lo judicialmente’. Os princípios da segurança jurídica e da boa fé são seus fundamentos básicos’’, complementou no acórdão.
Para a desembargadora-relatora, se o crédito tributário originalmente exigido da empresa contribuinte estava regularmente extinto — por decisão administrativa definitiva do órgão julgador competente —, não poderia ser ‘‘reavivado’’ mediante uma ‘‘inusitada reforma’’ dessa decisão.
Autuação fiscal
O imbróglio teve início em 17 de outubro de 2007, quando a Metalúrgica Vitória foi autuada pelo fisco do município de Caxias do Sul em razão de não ter recolhido o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) referente ao período de janeiro de 2004 a agosto de 2007. A empresa, representada pelo advogado Berto Rech Neto, recebeu a Notificação de Lançamento porque desenvolve ‘‘atividades de galvanoplastia’’ — tratamento de superfície consistente na deposição de um metal sobre o outro por meio de redução eletrolítica. O valor lançado: R$ 1.898.957,68.
A empresa tentou derrubar a autuação junto ao próprio fisco, mas o pedido foi negado. Derrotada, interpôs recurso voluntário no Conselho Municipal de Contribuintes, conseguindo a desconstituição do auto-de-infração. A reforma da decisão administrativa se deu em 14 de agosto de 2008.
Ato contínuo, a Secretaria Municipal da Fazenda interpôs recurso extraordinário no Conselho Municipal de Contribuintes, mas seu provimento foi negado pela Procuradoria-Geral do Município (PGM) no dia 27 de outubro de 2008. Assim, foi mantida a decisão de segunda instância proferida pelo Conselho.
Reviravolta no caso
Tudo estaria resolvido se, em 19 de abril de 2011, a PGM não tivesse declarado inválidos e nulos todos os atos praticados neste e noutros processos, por irregularidade na composição do Conselho de Contribuintes, apontada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS). A matéria, então, foi devolvida ao Conselho, para renovação de todos os atos processuais e administrativos. Ou seja, os recursos seriam submetidos à nova votação dos conselheiros.
Descontente com o desfecho, a metalúrgica ajuizou mandado de segurança contra o ato do procurador-geral do município da época, visando a anular sua decisão. A 2ª Vara da Fazenda Pública de Caxias do Sul, em sentença proferida no dia 16 de agosto de 2012, concedeu a segurança, declarando ilegal o ato de anulação praticado pela autoridade coatora, bem como reafirmando a legalidade da decisão proferida pelo Conselho. Por consequência, não haveria necessidade de um novo julgamento.
O fisco não desiste
O fisco interpôs apelação no Tribunal de Justiça, mas a sentença foi confirmada em reexame necessário. A decisão transitaria em julgado em 21 de junho de 2013.
No entanto, a contenda não havia chegado ao fim. Pouco antes do trânsito em julgado, 7 de junho de 2013, a PGM decidiu reapreciar novamente a questão: anulou a decisão anterior e deu provimento ao Recurso Extraordinário interposto pela Secretaria da Receita Municipal, mantendo a decisão proferida em primeira instância administrativa. Por consequência, declarou válido o lançamento do auto-de-infração, desconstituindo o decidido no Conselho Municipal de Contribuintes.
A insistência do Poder Público levou a metalúrgica a ajuizar, novamente, Mandado de Segurança na mesma vara da Fazenda Pública, para manter o decisum administrativo consolidado. O juiz Carlos Frederico Finger, a exemplo do julgador do primeiro mandado, acolheu o pedido. ‘‘Não conferir definitividade à decisão administrativa pretérita, que desconstituiu o lançamento e o auto-de-infração, sobretudo por não conter qualquer ilegalidade formal, seria desconsiderar o princípio da segurança jurídica. O setor produtivo, em especial, não pode ficar desprotegido e carente de segurança nas suas ações e decisões rotineiras’’, escreveu na sentença.
Para Finger, a empresa estava confiante de que trilhava o caminho certo já que, respaldada por uma decisão judicial, promoveu o recolhimento do ICMS no período referido pelo auto-de- infração. Logo, o fisco municipal não poderia lhe impor o recolhimento de tributo que anteriormente reconheceu indevido.
A sentença foi confirmada em sede de Apelação e de Agravo em Apelação em julgamentos realizados pela 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça.
Com informações Conjur e Cleto Gomes – Advogados Associados
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