Depois de cinco anos de tramitação, o novo Código de Processo Civil foi definitivamente aprovado pelo Congresso Nacional. A nova legislação estatui novos ônus, direitos e deveres para os sujeitos processuais, além de consagrar novos institutos, adequados à tutela de conflitos característicos de nossa sociedade.
Aos juízes, por exemplo, é imposto o dever de não proferir decisão com base em fundamento a respeito do qual as partes não tiveram a oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria cognoscível de ofício. Trata-se de visão moderna do princípio do contraditório que potencializa a garantia constitucional do direito de ação, compreendida como o direito dos cidadãos de participar de todos os atos que conduzam ao julgamento de suas demandas. Os magistrados, ademais, terão de obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir suas decisões. Pretende-se, com isso, limitar o subjetivismo dos julgadores quando da escolha dos casos a serem decididos.
A atividade de fundamentação das decisões judiciais, a propósito, passará a ser estritamente disciplinada. O art. 486, parágrafo 1º, adota técnica peculiar para estabelecer hipóteses específicas que, se configuradas, ensejarão nulidade da decisão por ausência de motivação. Em síntese, não será considerada motivada decisão que não se atenta às peculiaridades essenciais de cada caso concreto porque isso, em essência, implica violação ao princípio do contraditório.
Os honorários advocatícios também cumprirão o papel de desestimular a litigância infundada
Os advogados, por seu turno, passam a contar com instrumental hábil a combater o aviltamento de seus honorários. Nesse sentido, para as causas em que a Fazenda Pública for parte, serão fixados limites máximos e mínimos, a depender do valor da condenação, que deverão ser observados pelo juiz quando da fixação dos honorários. Os honorários, além disso, não mais poderão ser compensados em caso de sucumbência parcial e o seu pagamento poderá ser feito em favor da sociedade que o advogado integra na qualidade de sócio.
Os honorários advocatícios também cumprirão papel de desestimular a litigância infundada. Isso porque serão eles também devidos em grau recursal. O grande problema do sistema recursal brasileiro, considerado por parte da opinião pública como um “vilão”, não é o suposto número excessivo de recursos, mas sim a sua utilização desarrazoada. Muitos recursos são interpostos por mero inconformismo da parte que sucumbiu. Com a imposição desse novo ônus financeiro, o ato de recorrer tende a ser mais uma escolha racional do que uma tática para postergar a duração do processo. Isso não significa que o novo CPC não tenha se atentado para a necessidade de revisitação de alguns recursos. Os embargos infringentes, por exemplo, deram lugar à nova e eficiente técnica de julgamento que assegura o aprimoramento das decisões, com o consequente fortalecimento dos precedentes, pois, quando o resultado da apelação não for unânime, o julgamento prosseguirá com outros dois julgadores proferindo votos. Esse novo instituto é erradamente chamado de “embargos infringentes automáticos” – na verdade, trata-se de técnica de ampliação da colegialidade quando a votação não for unânime (não há outra distribuição e novas razões das partes, apenas prosseguimento do julgamento).
Nessa linha, há outros dispositivos que valorizam e aprimoram os precedentes judiciais. O respeito às decisões dos Tribunais Superiores – dada a função institucional que essas cortes desempenham – evita o processamento inútil de demandas contrárias ao entendimento jurisprudencial já consolidado e assegura a dispensa de tratamento isonômico às partes que se apresentam perante o Poder Judiciário a partir de um mesmo substrato fático e jurídico. Nesse sentido, o chamado incidente de resolução de demandas repetitivas contribui sensivelmente para tornar a prestação da tutela jurisdicional mais célere a partir de um tratamento “molecular” dos conflitos. Nos casos de repetição de processos que versem sobre mesma questão de direito, será cabível a instauração do incidente, o que provocará a suspensão desses processos até o julgamento do incidente. Tendo este sido julgado, a tese jurídica então fixada será aplicada aos casos pendentes e aos futuros que versarem sobre idêntica questão.
Referido incidente, no entanto, não se confunde com outra inovação relevante, a chamada conversão de demanda individual em coletiva. Se o incidente, por um lado, tem cabimento diante da multiplicidade de demandas individuais que versam sobre idêntica questão de direito, o instituto da conversão de demanda individual em coletiva, por sua vez, tem a função de impedir a violação a direitos difusos (danos ao meio ambiente, por exemplo), sendo vedada a conversão para a formação de processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogêneos. Com a coexistência desses novos institutos – proteção aos precedentes, incidente e conversão -, o novo CPC oferece à comunidade jurídica um instrumental que, se bem aplicado, tende em muito a contribuir com o aprimoramento da administração da Justiça em nosso país.
Paulo Henrique dos Santos Lucon é professor doutor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Integrou a Comissão Especial do Novo CPC na Câmara dos Deputados
Com informações Valor Econômico e Cleto Gomes- Advogados Associados