Durante a segunda audiência pública da comissão especial que aprecia a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 6/2019, realizada nesta quinta-feira (9/5) e que contou com a apresentação de economistas, parlamentares criticaram o sistema de capitalização proposto pelo novo governo. Além disso, fizeram uma defesa enfática de alternativas, como a reforma tributária, para corrigir as injustiças sociais e fazer com que quem ganha mais pague mais imposto e que deveria vir antes da PEC da Previdência para corrigir desigualdades.
Os deputados presentes na audiência sugeriram que o governo busque alternativas para o reequilíbrio das contas públicas, sem prejudicar os mais pobres. Eles criticaram o fato de o impacto fiscal da reforma incidir mais sobre o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores do setor privado, e ressaltaram que nenhum dos economistas presentes defenderam a PEC na íntegra. Não à toa, as críticas dos deputados focaram na questão de que a reforma atinge mais os trabalhadores aposentados que ganham até R$ 3 mil. Além disso, defenderam a retirada de mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC) da proposta.
Membros da oposição, como a deputada Jandira Feghali (PSOL-RJ) e o deputado Henrique Fontana (PT-RS), levantaram essa bandeira durante a sessão iniciada às 9h30 e concluída por volta das 16h. Jandira ainda propôs a aceleração da reforma tributária e a regulação do teto constitucional para o funcionalismo antes da reforma da Previdência para que ele seja respeitado efetivamente. “Vamos retomar essa discussão. Vamos acabar com isso. Vamos fazer o debate pelo lado da receita e como desenvolver a arrecadação. Cadê as contribuições sociais e cadê a tributação sobre quem ganha mais. Vamos discutir a reforma tributária para valer. Isso é, de fato o que precisamos fazer, porque essa reforma que está aí não serve”, declarou. “Existem algumas distorções na proposta que vai fazer uma radical mudança na base do sistema para retirar dinheiro dos mais pobres”, afirmou Fontana que também defendeu que o governo tivesse começado as reformas pela tributária e fazer com que o “andar de cima” também pague a conta. “O Brasil é um dos únicos países do mundo que não cobra imposto sobre lucro. Se isso ocorresse, seriam R$ 50 bilhões por ano, que é a metade do que querem tirar de pessoas que estão aposentadas ou vão se aposentar ganhando até R$ 3 mil”, criticou.
Durante as seis horas e meia de sessão, a troca de acusações sobre a responsabilidade do rombo. O parlamentares da base aliada tentaram defender a proposta desqualificando os críticos e usando palavras como “canalha”, que foram retiradas das notas taquigráticas por ordem do presidente da comissão especial, o deputado Marcelo Ramos (PR-AM).
Capitalização
Ontem, na primeira audiência do colegiado, o ministro da Economia, Paulo Guedes e integrantes da equipe econômica foram ouvidos e indagados pelos deputados. Eles fizeram queixas de que o ministro não apresentou dados concretos dos custos da transição e defenderam mais transparência sobre o verdadeiro impacto da mudança do regime de repartição para o modelo de capitalização puro. Nesse sentido, o deputado Carlos Veras (PT-PE), citou o Correio, que apontou um custo maior do que o de R$ 1,2 trilhão apontado pela economia em 10 anos com a reforma e que é defendida pelo ministro. O Correio ouviu especialistas em Previdência que estimam que o país precisaria investir o equivalente a duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB), mais de R$ 12 trilhões, ao longo de um período que pode variar entre 35 e 45 anos. “É muito importante discutir esse custo e as alternativas, porque não é justo quem tem bem de luxo pagar zero de imposto”, afirmou Veras. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) fez a segunda citação ao Correio. “Se um matemático criticou a fórmula do governo e não foi desmentido, isso quer dizer que a conta do governo está errada”, declarou.
Futuro
Ao defender a reforma da Previdência, o relator da matéria, o deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), reforçou que o maior problema do país no futuro será a velhice e, com as contas públicas desequilibradas, não haverá garantia de pagamento das aposentadorias. “Não nos preocupamos com a velhice e isso tem me preocupado muito porque é preciso ter orçamento. Sem orçamento, os direitos viram demagogia. É preciso ter dinheiro”, resumiu.
A fala do parlamentar ocorreu logo após a apresentação dos quatro economistas convidados: Pedro Fernando de Almeida Nery Ferreira, Consultor Legislativo do Senado Federal; Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp; Eduardo Moreira, professor e escritor; e Paulo Tafner, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP).
Servidor aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pesquisador Fipe, Tafner é um grande defensor sobre a necessidade de uma reforma por conta das mudanças demográficas do país. Ele destacou que o Brasil que a conta paga pelos brasileiros com Previdência já é muito alta se comparada com países desenvolvidos. “O déficit consolidado de toda a Previdência é 5% do PIB. Somos um país jovem, mas gastamos como um país envelhecido”, disse. Segundo o acadêmico, o problema da Previdência nos estados também é preocupante e precisa ser considerado, pois a soma dos resultados financeiros dos entes federativos apontam para um rombo crescente crescente que deverá chegar a R$ 144,6 bilhões neste ano. Tafner defendeu ainda fim das renúncias fiscais, como as do Simples Nacional, de entidades filantrópicas, do microempreendedor individual e da exportação da produção rural como forma de buscar o reequilíbrio das contas públicas.
Fagnani, da Unicamp, foi um dos mais críticos da proposta e sugeriu a retirada do sistema de capitalização. Segundo ele, as mudanças nas aposentadorias e pensões propostas na PEC são uma “tragédia anunciada” e agravam as desigualdades no Brasil ao deixar RGPS com o maior volume da economia proposta na reforma. Ele sugeriu a retirada do RGPS e do BPC da proposta e demonstrou preocupação com a questão da desconstitucionalização de direitos prevista na proposta. “O objetivo não é uma reforma da Previdência, mas acabar com o Estado de Bem-Estar Social criado pela Constituição de 1988”, disse. O economista defendeu uma análise maior sobre problemas das contas públicas e defendeu a retomada da discussão do teto do funcionalismo como forma de coibir os supersalários e ainda criticou o fato de o Congresso ter concedido o reajuste do judiciário no fim de 2018, que aumentou ainda mais o teto do setor público. “O problema não está no regime geral”, frisou. Para ele, a bomba demográfica é uma “bomba de ficção”.
O consultor Pedro Fernando Nery alertou para o fato de que a reforma não vai acabar com o déficit da Previdência. Ele lembrou que o peso da despesa com os sistemas de aposentadorias público e privado pesam nos gastos do governo federal e se reforma não ocorrer, esse custo passará de 59%, em 2019, para 79% em 2026, consumindo o espaço das demais despesas dentro do orçamento. Nery também criticou o sistema de capitalização individual, como sugerido pelo governo. Para ele, a mudança poderá agravar os atuais problemas. “O déficit previdenciário é um imposto sobre grandes pobrezas”, declarou. Na avaliação do consultor, a criação de um sistema de seguridade social destinado às crianças, uma espécie de ampliação de iniciativas como o programa Bolsa Família, é uma das alternativas que precisam ser consideradas.
O economista e escritor Eduardo Moreira engrossou o coro dos parlamentares sobre as críticas à reforma em relação às mudanças nos benefícios de quem ganha menos. Ele defendeu que a reforma foque em quem ganha mais efetivamente. “Vamos caçar os marajás do funcionalismo que já foram identificados”, frisou. Ele recomendou que os integrantes da comissão fiquem atentos aos efeitos da PEC. “Essa reforma não melhora a vida de ninguém”, emendou.
Fonte: Correio Braziliense