Com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir a prisão após condenação em 2ª instância, uma juíza substituta da 9ª Vara do Trabalho de Vitória (ES) autorizou uma execução trabalhista definitiva em um processo que ainda não transitou em julgado.
O despacho, publicado na última quinta-feira (12/4), citou o Habeas Corpus nº 126.292 para determinar o bloqueio de valores devidos por uma empresa que recorreu ao Supremo após decisão desfavorável no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Na ação contra a companhia Ferrostaal, um engenheiro pediu o pagamento de horas extras e de sobreaviso, bem como adicionais de periculosidade e de transferência. Segundo a defesa do empregado, o valor estimado da causa é de R$ 1,39 milhão. Como o TST manteve o adicional de periculosidade e as horas extras, a empresa apresentou um recurso extraordinário ao STF, que aguarda análise de admissibilidade.
De acordo com advogados trabalhistas, antes do trânsito em julgado o Judiciário costuma determinar a execução provisória, que obriga a companhia a depositar os valores devidos em juízo. A execução definitiva permite que o trabalhador levante os recursos depositados. Caso a decisão seja revertida, o engenheiro teria de devolver os valores atualizados à empresa.
Para pedir que a vara autorize o pagamento das dívidas trabalhistas antes de o STF apreciar o recurso da companhia, a defesa do empregado citou a decisão da Corte que permitiu a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva após condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Por um placar de seis votos a cinco em julgamento em 4 de abril, a Corte deu aval à execução da pena de 12 anos e um mês no caso do triplex em Guarujá (SP).
Com base nisso, o advogado José Carlos Rizk Filho, responsável pela defesa do empregado, questionou se o direito à propriedade se sobreporia ao da liberdade para aguardar o trânsito em julgado. “Se a empresa ganhar no STF, o empregado teria que devolver os valores. Mas se o Lula for inocentado, não se devolve a liberdade dele. Se [a Justiça] prende sem ter julgamento definitivo e corre o risco de deter inocentes, por que não se corre o risco também de se fazer o pagamento?”, afirmou.
Por outro lado, o advogado Leonardo Lage da Motta, que representa a empresa, argumentou que as matérias de Direito Penal e Trabalhista não se confundem. De acordo com Motta, a lei determina que a execução trabalhista ocorra da forma menos gravosa para o devedor e nesse caso, segundo ele, a juíza teria aplicado um procedimento contrário a esse princípio. “É uma tentativa de transformar a execução provisória em definitiva”, disse.
Para a juíza substituta Germana de Morelo, o entendimento do STF sobre a execução da pena após condenação em 2ª instância também se aplica à Justiça do Trabalho. “Tal entendimento deve ser estendido à execução trabalhista com a alienação de bens e pagamento dos valores devidos ao credor quando superadas as instâncias primárias, ante a ausência de efeito suspensivo dos recursos aos Tribunais Superiores, sendo evidente que o direito à propriedade não se sobrepõe ao da liberdade”, lê-se no despacho.
Com a execução definitiva, o despacho também designou uma audiência de conciliação para a próxima quinta-feira (19/4). Caso as partes não entrem em acordo quanto à execução, a empresa pode apresentar recurso ou mandado de segurança ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 17ª Região.
Professor de Direito do Trabalho da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ivandick Cruzelles entende que o posicionamento do Supremo abriu caminho para decisões como a da vara de Vitória. “Se nem a liberdade, que é nosso bem maior, foi capaz de ser tutelada pelo trânsito em julgado, o patrimônio também acaba ficando prejudicado pelo menos do ponto de vista argumentativo”, afirmou.
Porém, Cruzelles pondera que esse tipo de decisão mistura conceitos jurídicos diferentes e poderia provocar grande impacto na Justiça cível, por exemplo. “Se um banco passar a executar devedores em 2ª instância, nós teríamos pessoas sendo privadas do patrimônio de maneira não definitiva, gerando grandes prejuízos, principalmente se isso for anulado nas instâncias superiores”, explicou.
Sócio do escritório Peixoto & Cury, o advogado Carlos Eduardo Dantas Costa argumentou que a jurisprudência na esfera penal não poderia ser aplicada à trabalhista. Segundo ele, como a dívida continua sendo atualizada até o efetivo pagamento, o empregado não perde o direito de receber uma indenização caso o Judiciário demore a julgar o processo. Já na Justiça criminal, por conta da prescrição, o Estado poderia perder o direito de prender uma pessoa. “Esse risco não existe no direito do trabalho, que justifique liberar o dinheiro para o reclamante antes de terminar o processo”, afirmou.
Fonte: JOTA