O Brasil voltou a registrar uma alta no Produto Interno Bruto (PIB) após 8 quedas consecutivas, o que tecnicamente tira o Brasil da pior recessão de sua história. Para boa parte dos economistas, entretanto, ainda é cedo para decretar que a crise acabou. Ainda não há sinais claros de recuperação em todos os setores e permanecem dúvidas sobre o comportamento da economia nos próximos meses, especialmente depois do terremoto político provocado pelas delações da JBS envolvendo o presidente Michel Temer.
O país entrou na chamada “recessão técnica” no 2º trimestre de 2015, quando acumulou dois trimestres seguidos de contração do PIB. Por esse critério, ao crescer 1% no 1º trimestre e deixar de registrar dois resultados negativos consecutivos, a economia brasileira saiu tecnicamente da recessão.
A continuidade da recuperação da economia brasileira ficou mais incerta após a crise política se agravar na segunda quinzena de maio. Até então, com a inflação e os juros em queda, e as reformas da Previdência e trabalhista caminhando no Congresso, a perspectiva era de que a economia ganharia tração no segundo semestre. Mas com a detonação da crise política, tudo ficou mais incerto.
“O país estava saindo da UTI e agora voltou de novo”, resume o economista-chefe da Austin Ratings, Alex Agostini.
No entendimento do economista, o fim da recessão só poderá ser declarado quando o PIB no acumulado em 4 trimestres fica positivo na comparação com os 4 trimestres imediatamente anteriores. “Por essa metodologia, o país deverá entrar no terreno positivo no 3º trimestre”, projeta.
Risco de estagnação
Agostini não descarta, no entanto, tanto o risco de estagnação quanto o de continuidade da recessão. “Ainda estamos em um processo de recuperação das expectativas e isso ainda não foi traduzido em maior produção, investimento e consumo ao ponto de tirar o país da recessão”, afirma.
O professor do departamento de economia da PUC-SP, Claudemir Galvani, entende que a curva da economia já mudou, mas avalia que o caminho até a retomada ainda será bem longo e que, antes de voltar a crescer, o país ainda corre o risco de passar por um período de marasmo. “Quem está na ribanceira e, de repente, aplaina, é ótimo. Mas não muda o fato de que se está lá embaixo ainda”, afirma.
No último dia 22, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) colocou a nota do Brasil em observação para um possível rebaixamento, citando que “o enfraquecimento do presidente Temer, um longo ou conflitante processo de transição ou um presidente com um curto mandato e menor capacidade e disposição para avançar reformas, provavelmente atrasariam mais a recuperação econômica”.
Altos e baixos na economia
Se muitos dos indicadores da economia já vinham num comportamento de gangorra, com altos e baixos, o entendimento de boa parte do mercado é que o vai e vem pode acontecer também no PIB.
“Nossas projeções iniciais eram de estabilidade. Mas aumenta o risco de PIB negativo para o 2º trimestre”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia e política da Tendências Consultoria.
Antes mesmo do novo terremoto político, economistas já não descartavam a chance de um PIB negativo no segundo trimestre, por conta do efeito estatístico de compensação do forte impulso conjuntural do 1º trimestre.
A economista Sílvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, projeta queda de 0,1% do PIB no 2º trimestre. Para 2017, a previsão de crescimento de 0,4% foi colocada em “viés de baixa em virtude do aumento da crise política” e da demanda interna ainda fraca.
Entre os setores que ainda não mostraram sinais claros de recuperação está o de serviços e a indústria da transformação, que historicamente costumam ter maior sincronia com a direção dos ciclos econômicos. Outros indicadores de preocupação são o baixa taxa de investimento, o desemprego e o crédito caro, que dificultam uma melhora no consumo das famílias.
“Os indicadores de atividade ainda estão muito voláteis. Muito do que vai acontecer até o final do ano ainda depende de grandes incertezas do lado político e fiscal. Não será fácil datar essa saída de recessão”, conclui Picchetti.
Conceito de recessão
O conceito de recessão, entretanto, não é um consenso entre os economistas. Muitos deles entendem a recessão como algo mais amplo do que o resultado do PIB. Para eles, a recessão é caracterizada por uma retração expressiva e generalizada dos indicadores econômicos, resultando não só na queda do PIB, mas também no encolhimento da produção, consumo e investimentos. Ou seja, a saída efetiva da recessão depende de uma recuperação disseminada e consistente da maioria dos componentes da atividade econômica.
O IBGE não trabalha com o conceito de recessão em suas pesquisas. Pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), principal referência no país na área, a recessão começou no segundo trimestre de 2014 e completou 11 trimestres em dezembro de 2016, alcançando a mesma duração da crise do governo Collor (1989-1992).
O Codace ainda não identificou o término do ciclo recessivo e, segundo os economistas, a despeito dos sinais de melhora em diversos indicadores, ainda vai levar um tempo para ser possível datar com convicção o fim, ainda mais diante do novo temor de prolongamento da recessão em meio ao terremoto político de desfecho ainda imprevisível.
O economista da FGV/IBRE Paulo Picchetti, que integra o Codace, explica o resultado positivo do PIB no 1º trimestre por si só ainda não é o suficiente para garantir o fim da recessão.
“Mesmo 2 trimestres seguidos de aumento não é garantia que a gente está de fato num período de expansão”, afirma. “Não é o número do PIB que conta, e sim a composição dele. A saída da recessão depende de uma trajetória crescente e consistente”, continua.
Segundo o pesquisador, os números do 1º trimestre precisam ser analisados com cautela, uma vez que o resultado do PIB foi impulsionado pelos efeitos da supersafra no agronegócio e por revisões metodológicas feitas pelo IBGE nas pesquisas de comércio e serviços.
Picchetti destaca que mesmo a indústria, que subiu % nos 3 primeiros meses do ano, ainda não aponta para uma tendência clara de recuperação. “A produção industrial teve um janeiro animador, mas em fevereiro e março foi negativa. Não está claro que todos os componentes do PIB, ou pelo menos a maioria deles esteja em uma trajetória de retomada que caracterizaria uma saída da recessão”, observa.
Para Meirelles, recessão é passado
Antes mesmo da divulgação do resultado do PIB do 1º trimestre, o governo vem tratando a recessão como algo que já acabou. “O Brasil já voltou a crescer, mas estamos ainda vivendo os efeitos da recessão”, disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, durante a cerimônia que marcou 1 ano do governo Temer.
Na segunda-feira (29), Meirelles destacou que as medidas já aprovadas já garantem que o país entre numa trajetória de crescimento no curto prazo, mas admitiu que um eventual atraso na aprovação das reformas, sobretudo a da Previdência, pode afetar o PIB e fazer o país crescer um pouco menos em 2017 por conta do abalo na formação de expectativas.
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão de pesquisa vinculado ao Ministério do Planejamento, também entende que o Brasil já saiu da recessão, uma vez que se observa uma mudança de tendência do comportamento da economia.
“É uma saída técnica. Só vamos saber com toda clareza que o país retomou o crescimento quando pudermos avaliar os próximos trimestres e verificar se a retomada se consolidou”, afirma José Ronaldo de Castro Souza Júnior, diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea. “Obviamente que o dado de um trimestre só é pouco, mas o que a gente enxerga é que a tendência mudou. Esse é o ponto mais relevante”, destaca.
Ao comemorar o resultado do PIB nesta quinta-feira, Meirelles falou em “dia histórico”. “Depois de dois anos, o Brasil saiu da pior recessão do século. Neste período, milhões de brasileiros perderam seus empregos, milhares de empresas quebraram e o Estado caminhou para a insolvência. O Brasil perdeu a confiança dos investidores e a confiança em si mesmo”, declarou em nota.
Fonte: G1